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Desfazendo alguns mitos da gravidez

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Esta semana, o editor Cícero Escobar escreveu um texto se propondo a desmistificar duas alegações bastante famosas: o caráter fantástico da criação e movimentação dos moais da ilha da Páscoa e a crença no mito do uso dos 10% do cérebro.

A meu ver o objetivo foi atingido com um texto simples e direto, o que me motivou a fazer algo parecido com alguns outros mitos populares muito difundidos: os mitos da gravidez. Me concentrarei neste texto nos dois mitos que eu mais tenho escutado recentemente.

Antes, retomando o final do texto do Cícero, relembro duas definições importantes, originárias da estatística e que utilizamos muito em ciências da saúde:

- Erro Tipo 1: Rejeitar a hipótese nula, quando esta é verdadeira. Em bom português: acreditar em algo sem que haja evidências que suportem tal crença. Um exemplo: em testes de um novo medicamento, postula-se a hipótese nula, qual seja, a ação do novo medicamento é estatisticamente igual à ação de um medicamento de referência. Ao se fazer os testes clínicos, verifica-se que realmente a ação dos dois medicamentos não diferem de forma significativa. Portanto, uma pessoa cometerá um Erro do Tipo 1 caso acredite que o novo medicamento é melhor (ou pior) do que o medicamento referência (rejeição da hipótese nula quando a mesma é verdadeira).

- Erro Tipo 2: Aceitar a hipótese nula, quando esta é falsa. Ou seja, comete-se este tipo de erro quando as evidências apontam para a veracidade de um fato e nós simplesmente descartamos este fato. A partir do mesmo tipo de exemplo acima, temos a hipótese nula de que a ação de novo tratamento é estatisticamente igual à ação de um tratamento de referência. Porém, ao se realizar os testes clínicos, percebe-se que os tratamentos têm desempenho estatisticamente diferentes, sendo um deles bem melhor do que o outro. Comete-se o Erro Tipo 2 quando, mesmo diante de uma significativa diferença, acredita-se que as duas abordagens são iguais (aceita-se a hipótese nula mesmo esta sendo falsa).

Vamos ao mitos.

Mito 1: O formato da barriga é indicativo do sexo do bebê: se a barriga estiver pontuda, é menina; arredondada, é menino (ou vice-versa, já escutei as duas versões, o que de cara já complica pro lado do mito).

No site do Drauzio Varella há uma postagem, em colaboração o ginecologista e obstetra Dr. Guilherme Fernandes, da SOGESP (Associação de Obstetrícia e  Ginecologia de São Paulo), que já começa com essa alegação, na qual podemos ler que “Não existe nenhuma influência do sexo do bebê no formato da barriga. ‘A barriga da mãe cresce conforme anatomia e genética da gestante, sem nenhuma influência do sexo do feto’, explica o Dr. Fernandes.”.

Na página do Hospital Albert Einsten, há também um esclarecimento sobre a questão: “Segundo a Dra. Rosa Maria Neme, doutora em ginecologia e obstetra do Einstein, não é verdade que barriga pontuda indica a chegada de um menino e a barriga mais arredondada uma menina. ‘O formato do corpo da mãe determina como será a barriga, se mais arredonda ou pontuda.’ Simples assim.”.

Obviamente, se alguém apresentar estudos epidemiológicos de base populacional que demonstrem uma correlação estatisticamente significativa entre o formato da barriga da grávida e o sexo do bebê, podemos rever essa questão. E não, não vale o simples relato de parteiras com anos de experiência, de vovós simpáticas e cheias de netos, tampouco de profissionais da saúde. Ao final deste texto ficará mais claro por que não podemos tirar esse tipo de conclusão baseados apenas em relatos.

Fica claro que se comete neste mito um Erro do Tipo 1, ou seja, rejeita-se a hipótese nula (não há relação entre sexo da criança e formato da barriga) mesmo ela sendo correta.

Nos dois links indicados acima, há outros mitos ligados à gravidez que são bem comuns.

Mito 2: Determinadas fases da lua (ou mudanças de fases) propiciam a ocorrência de partos.

O mito diz que determinada fase da lua, ou determinada mudança de uma fase para outra, favoreceria a ocorrência de partos. Uma das explicações, pasmem, seria que a lua exerceria sobre o útero da mulher uma influencia semelhante à que ocorre no caso das marés. Para analisar esse tipo de alegação temos duas vias: a plausibilidade e a estatística. Em um artigo publicado em 2003, um físico da UFRGS se deu ao trabalho.

Sobre a plausibilidade, o físico esclarece que o efeito de maré só ocorre nos mares e oceanos devido às variações de intensidade e orientação do campo gravitacional da Lua e do Sol ao longo da superfície terrestre, e devido às relativas pequenas extensões esse mesmo fenômeno não é observado em pequenas massas de água, como piscinas, açudes e lagoas. Pelo mesmo motivo, não faz sentido falar em efeito de maré agindo sobre o líquido do útero materno (ou sobre o bulbo capilar, pra já desbancar outro mito muito popular sobre fase da lua e corte de cabelo, mas divago…).

Sobre a estatística de nascimento, o físico utilizou dados de 104.616 nascimentos, o que é uma amostra consideravelmente robusta, embora seja de conveniência (foram utilizados dados dos candidatos inscritos em vestibulares da UFRGS). Verificou-se que não há diferença estatística entre o número de nascimentos e a fase da lua, e qualquer flutuação entre os dias do mês lunar pode ser atribuída ao acaso. A despeito do fato de o estudo não ter se concentrado apenas nos partos normais, excluindo da amostra as cesarianas (crítica já enfrentada pelo autor do artigo), temos uma conclusão bem robusta para afirmar que não há influência da fase da lua no nascimento de bebês. Novamente, o mito se trata de um Erro do Tipo 1.

Há algo em comum nesses dois mitos, e que também está presente na origem e manutenção de muitas outras crendices: em geral, as pessoas têm a tendência de prestar mais atenção quando um acontecimento confirma a sua crença do que quando ocorre o contrário. Assim, quando um nascimento coincide com a mudança da fase lua (ou o formato da barriga coincide com a previsão popular do sexo do bebê), o indivíduo logo aponta o dedo e diz “viu como eu estava certo?”; entretanto, todos os casos discordantes são convenientemente apagados da memória. A esse tipo de fenômeno, geralmente, damos o nome de viés de memória.

o-andar-do-bebadoE é por isso que eu escrevi acima que o simples relato de pessoas, por maior que seja sua experiência, não é necessariamente válido para esse tipo de caso (o capítulo 2 do livro “O Andar do Bêbado”, de Leonard Mlodinow, discorre um pouco sobre isso com exemplos diferentes).

Claro, são mitos até certo ponto inofensivos. Todavia, um pouquinho de esclarecimento não faz mal a ninguém.

Autor: Alex Rodrigues

 

 

 

 

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